Tarde de Verão
Hoje,
uma tarde fria de uma sexta-feira pacata, caminho sossegado entre as árvores e
bancos do Jardim Botânico. Há uns trinta metros, logo à frente, entre o
ipê-roxo florido e a quaresmeira solitária, eu observo um casal, aparentemente namorados.
Os dois parecem felizes. Ora trocam carícias, ora caem na gargalhada. Continuo
a observá-los. O local está quase vazio, não é para menos – a temperatura é de
22 ºC! Um pequeno roedor para em minha frente. Alimento-o com alguns biscoitos
que trouxe no bolso da jaqueta. O vento frio sopra. Voltando os olhos para o
jovem casal, vejo que os dois se olham ternamente, com uma docilidade e
inocência que fica difícil conter a emoção. O roedor em minha frente, mal
acabara de consumir o primeiro biscoito, quando escuto o som estridente das
maritacas. Lanço o segundo e último biscoito ao chão. O raquítico animal o
devora abruptamente, como se pressentisse que algo ruim estivesse próximo a
acontecer e corre. O frio é de aplacar, e depois de uma hora sentados, os
jovens continuam abraçados e cochichando ao pé do ouvido um do outro. Não há
uma alma viva, exceto roedores, pequenos répteis e anfíbios que transitam, ora
freneticamente, ora lentamente. Lembro-me saudoso do calor das tardes de verão,
quando há crianças correndo por todos os lados, balões coloridos, picolés
gigantes, pirulitos caricatos, pipoca doce e salgada, risos alegres e
algazarra; macacos-prego, saguis e guaxinins por todos os lados, tucanos
exóticos e, até, raríssimas araras! Porém, hoje todos se esconderam. A
temperatura é de uns 20 ºC. Continuo a observar os jovens, agora, sem nenhuma
distração. Estou esperando os dois se levantarem para que eu possa seguir meu
caminho. Por um instante noto que uma lágrima cai dos olhos da menina e escorre
pelo seu rosto singelo e límpido. O rapaz afaga sua face, como se quisesse
aliviá-la de algum tormento ou dor. Parece que conversam sobre algo importante,
pois os olhos fitados não dão margem para distrações, nem mesmo para as flores
que caíam do ipê-roxo. Eles entrelaçam as mãos, dando a entender que irão
levantar-se. Nada. Simplesmente queriam aumentar à superfície em contato de
entre ambos! A temperatura continua a diminuir. Já não consigo suportar o vento
gélido no meu rosto. Estou prestes a levantar-me e partir, quando, num
instante, sou tomado por um medo incontrolável e incomum que paralisa meus
músculos; o tempo torna-se lento demais e já não percebo os movimentos rápidos
das copas dançando ao sabor do vento; as folhas caídas ao chão, varridas pela
brisa congelante. O jovem casal parece cada vez mais distante e inerte. Meu
corpo não responde e o coração, na contramão, bate desesperadamente. Perco os
sentidos a cada segundo que se passa se é que posso falar em segundos, já que
não percebo o tempo. Os jovens ficam cada vez mais distantes dos meus olhos; as
árvores distorcidas, os bancos e ladrilhos no chão misturam-se em um balé
cósmico colossal. Com minhas últimas forças, fecho os olhos rapidamente. E,
como o grito de um guerreiro liderando a frente de batalha, o céu emite um
poderoso, estrondoso e ecoante trovão! Vou abrindo os olhos lentamente, bem
devagar. Estou em meu quarto, deitado em minha cama, em plena sexta-feira, numa
tarde de verão. A temperatura é 38 °C.
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